Ficha de Leitura 2 - Lev Tolstoi "A Morte de Ivan Ilitch"
Lev Tolstoi - Biografia
Lev Nikolaievitch Tolstoi, conde de Tolstoi, nasceu no seio de uma família nobre, em Yasnaya Polyana, província de Tula, em 28 de Agosto de 1828.
Perdeu os pais ainda muito novo tendo sido criado por parentes. Em 1844, Lev Tolstoi iniciou os seus estudos em Direito e Literatura Oriental na Universidade de Kazan, no entanto abandonou a faculdade antes de se licenciar. Insatisfeito com a educação, regressou aos seus estudos em Yasnaya Polyana, passando grande parte do tempo em Moscovo e em São Petesburgo.
Em 1851, o sentimento de vazio existencial levou-o a juntar-se ao irmão, soldado no Cáucaso. É nesta época que inicia a sua carreira literária, ao publicar a primeira parte da trilogia autobiográfica Infância (1852), que foi concluída com Adolescência (1854) e Juventude (1857).
Em 1857, visitou a França, a Suíça e a Alemanha. Depois das viagens, instalou-se em Yasnaja Polyana e fundou uma escola para filhos de camponeses. Para Tolstoi, o segredo para mudar o mundo residia na educação.
Durante as suas viagens pela Europa, analisou a teoria e a prática educacional, tendo publicado artigos e manuais sobre o tema.
Em 1862, casou com Sonya Andreyevna Behrs, que se tornou a sua secretária devota. A sua leitura abrangia a ficção e a filosofia. Entre os seus autores preferidos encontravam-se Platão, Rousseau, Dickens e Sterne. Nos anos 50 lia e admirava Goethe, Stendhal, Thackeray e George Eliot.
A obra Guerra e Paz (1863-69) reflectia o ponto de vista de Lev Tolstoi, de que tudo estava predestinado. A sua outra obra-prima surgiu em 1873-77, Anna Karenina.
Em 1880, escreveu obras filosóficas como A Confession e What I Believe, que foi banida em 1884. Começou por ver-se mais como um sábio e um líder moral do que como artista.
A partir de 1880, Tolstoi atravessou uma profunda crise espiritual e assumiu diversas posições de cariz moral, incluindo a resistência passiva ao mal, a rejeição da autoridade (religiosa ou civil) e a propriedade privada, e um regresso ao cristianismo místico. Foi excomungado pela igreja ortodoxa, tendo as suas obras posteriores sido proibidas. A Morte de Ivan Ilitch (1886), A Sonata a Kreutzer (1890), Ressurreição (1889-99) e Hadji Mourat (1890-1904) fazem parte deste período.
O desejo que o autor tinha de renunciar aos seus bens e de viver como um camponês perturbou a sua vida familiar, tendo acabado por fugir de casa e morrer com pneumonia numa estação de caminhos-de-ferro em Astapovo, em 7 de Novembro de 1910.
A Morte de Ivan Ilitch, Lev Tolstoi
Escolhi a integração analítica desta obra pela sua pluralidade, porque é um dos melhores retratos do homem com que já fui confrontado na plenitude da sua essência. Tolstoi consegue neutralizar a diferença do homem e resumi-la em trechos conceptuais de uma abundância impar.
Optei por analisar a obra completa, partindo de uma pequena síntese introdutória para o trato da sua significação genérica e particular. É uma obra sumária e directa, mas muito substancial na sua abrangência e na profundidade dos assuntos que lhe são subjacentes.
A história caracteriza-se por um contraste binomial entre as vicissitudes da vida e os antecedentes e consequentes da morte. O cenário inicial é o velório da morte de Ivan Ilitich, reconhecido juiz, que padece de uma condição renal patológica em virtude de uma casualidade quotidiana. Parte-se portanto de uma caracterização da personagem “post-mortem” para depois desenvolver a sua história pessoal. É de um interesse peculiar do ponto de vista literário o contraste do registo brando e até espirituoso das primeiras páginas com a densidade do sofrimento de Ivan Ilitich enquanto espera a morte. É sobretudo notório analisar a ironia diferencial das personagens na forma de lidar com a morte, da acalmia à exaltação, e é ainda mais interessante não chegar a conclusão nenhuma quando se perde a inteireza no meio da dissimulação, sem se perceber qual é qual.
O retrato da vida de Ilitch é assinalado por uma agonia tormentosa das suas perturbações enfermas e corpóreas e da sua incapacidade de estar e de ser compreendido pelos outros, encontrando só algum reconhecimento no criado e algum prazer na companhia do filho adolescente. Progressivamente vai perdendo a sua autonomia funcional e vai dependendo dos outros para realizar os seus intuitos básicos. A questão que mais o atormenta e que transpõe o sofrimento físico é o “porquê” de tal punição e se de facto a forma como conduziu a sua vida foi merecedora de tal sentença. A afirmativa desta erudição é de um flagelo superior e pesaroso que vai matando a legitimidade moral da personagem. Para os coabitantes da casa de Ivan Ilitch o seu sofrimento é visto como um incomodo indesejável e perturbador representativo da morte e que causa nos familiares repugnação por esta personagem.
“Procurava o seu habitual medo, o anterior medo da morte e não o encontrava. Onde está ela? Qual morte? Não tinha medo nenhum, porque também não havia morte. Em lugar da morte havia luz.
- É então isto! – disse ele de súbito em voz alta. – Que alegria!”
Para Ilitch foi um suspiro de alivio tranquilo e desejado o momento em que pereceu. A morte, essa já tinha sido, tudo aquilo era outra coisa, qualquer coisa com outro nome.
Anexo da obra pdf: LEON TOLSTOI - A Morte de Ivan Ilitch.pdf (290,6 kB)